Drag queen celebra culto evangélico para chamar atenção para a homofobia
Cílios postiços, maquiagem artística, peruca, saia e uma Bíblia. Apesar de soarem antagônicas, as opções fazem parte do cotidiano do líder pastoral Marcos Lord — ou drag queen Luandha Perón. Professor da rede pública há sete anos, em Duque de Caxias, Marcos é pastor na Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) em Irajá, região metropolitana do Rio.
Neste domingo, 18, Marcos celebrou o culto na sua igreja vestido de Drag Queen usando Salmos que tratavam de injustiças e apedrejamento relatados na Bíblia. “É a Luandha que está aqui, não o Marcos, pois meu objetivo é chamar atenção para o Dia Internacional contra a Homofobia [em 17 de maio]“, disse ao começar a pregação. “Infelizmente, 24 anos após esse dia ser fundado ainda há muito preconceito. Se eu sair daqui vestido assim, serei apedrejado na esquina.”
De família evangélica, chegou a ficar noivo de uma mulher. Apaixonou-se por um homem e diz que foi taxado de aberração pelo pastor da igreja que frequentava. “Fui expulso de casa, achava que iria para o inferno”, disse.
— Se você for ler a Bíblia ao pé da letra, terá muitos problemas. Ela fala sobre escravidão, que você tem direito a ter um irmão escravo seu por sete anos. Ela diz que você não tem direito de comer carne de porco. Mas quem vai abrir mão de comer o seu presunto e o seu pernil? Se nós mantivéssemos a mesma visão que sempre tivemos da religião evangélica, a mulher estaria até hoje calada — argumenta, seguro. — Eu não posso simplesmente pegar a Carta aos Romanos e lê-la como se ela tivesse sido escrita para os brasileiros do século XXI. A Carta aos Romanos foi escrita para os cristãos de Roma, daquele período histórico, do primeiro século. Então eu não posso achar que ela é válida para hoje. Mas eu posso tentar pegar alguns ensinamentos que estão ali e achar novos significados para os dias de hoje? Posso. Assim como pego os ensinamentos da minha avó e tento trazer para minha vida até hoje. Mas isso não quer dizer que eu não vá pedir manga com leite numa lanchonete porque ela disse uma vez, lá atrás, que faz mal.
No Brasil, a comunidade existe há cerca de dez anos, segundo o pastor. Há unidades em Fortaleza, Maceió, Teresina, Cuiabá, Maringá (Paraná), Caxias do Sul (Rio Grande do Sul), Belo Horizonte, Vitória, São Paulo e Mariporã (São Paulo). No Rio, há unidades em São João de Meriti e a comunidade Betel, em Irajá, onde Marcos é o líder pastoral. Na unidade, os cultos ocorrem numa pequena sala, onde podem ser vistos banners com dizeres como “O Senhor é meu pastor, e Ele sabe que eu sou gay”. Apesar de ser uma comunidade mundial, a ICM não é ligada a nenhuma convenção nacional de igrejas evangélicas.
— Eu me lembro claramente de uma noite. Estava passando por aquele momento de crise existencial e de madrugada fazia poças de lágrimas, ajoelhado no chão, pedindo a Deus que me libertasse. No fim da sétima noite, eu percebi que não ia adiantar, que Deus não tinha que me libertar, que não havia do que ser libertado. E a crise foi tentar encontrar lugar na minha fé para a minha sexualidade, entender que eu poderia ser gay e ser cristão — diz Marcos.
Sobre relacionamentos amorosos, Marcos diz não se sentir à vontade para se envolver com “alguma ovelha” da comunidade, que conta, por exemplo, com mais duas drag queens. Livre e desimpedido, como se intitula atualmente, ele afirma que pensa em ter uma filha, que se chamaria Maria Eduarda. Segundo Marcos, que já foi noivo de uma mulher, se até os 40 anos não achar um companheiro com quem construir uma família, dará entrada mesmo assim no processo de adoção.
Com informações Jornal O Globo e Folha de São Paulo
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